Onde estavam no 11 de Setembro de 2001
Tal como pergunta a estação televisiva SIC, “onde estava no 11 de Setembro de 2001?”
Eu sei claramente onde estava, apesar de a memória ter enfraquecido ao longo dos anos mais recentes, fruto das rasteiras próprias do envelhecimento (leia-se maturidade) e dos caminhos inesperados da saúde ou da ausência dela, é curioso como se recordo de pormenores insignificantes. Curiosamente, não tinha qualquer ideia da existência das Tlim Towers, pese embora, como viria a descobrir mais tarde, alguém de visita à Big Apple me tenha enviado fotografias do Hudson captadas de um dos andares-miradouro das gigantes de aço…
Passavam poucos minutos das duas da tarde quando regressei ao trabalho depois de um almoço com um familiar que me oferecera bilhetes para a ópera de Donizetti, “O Elixir do Amor”.
Ao chegar, uma colega comentou, quase em jeito de fait-divers, que acabara de ouvir na rádio que um avião embatera no Empire State Building.
Entre a surpresa de tal acidente e os comentários em fase de rápida evolução para teoria, ocorreu-nos ligar o televisor.
O espanto cresceu quando percebemos que não tinha sido o Empire State Building o atingido, mas sim uma gigantesca torre de aço que nenhum de nós identificaria se não fosse o pivô de serviço que, tão surpreendido como os espectadores, fazia aquilo que é conhecido como “encher chouriços”.
Elaborámos teorias diversas sobre o que poderia ter provocado tal inusitado incidente e o que seriam as equipas de emergência capazes de fazer para ajudar as vítimas.
Procurando racionalizar a questão, percebi que nenhuma equipa de emergência teria os recursos e os métodos necessários para resgatar as pessoas que estavam nos pisos acima da abertura provocada pela aeronave que, pensávamos então, ter ficado descontrolada.
Pelas leis da física, o fumo sobe, o que impediria qualquer evacuação para o topo do edifício. E nenhum helicóptero conseguiria aproximar-se o suficiente para retirar quem quer que fosse. E mesmo que conseguisse, a estrutura do gigante de aço não se aguentaria erguida o tempo necessário para salvar todas as pessoas que ascenderiam ao topo.
Evitei verbalizar a ideia por saber quão aflitiva era a evidência e como seria profundamente perturbadora para alguns dos que comigo assistiam.
Cautelosamente, olhei em redor e percebi, numa breve troca de olhares, que mais alguém chegara à mesma dura realidade que eu.
Alguém também percebera que os bombeiros não tinham forma de combater um incêndio provocado por combustível de avião a uma altura daquelas. Igualmente, parecia ter poucas dúvidas – e as que subsistiam resultavam, no meu caso, da terminante recusa do consciente em admitir o horror do inevitável, que o edifício não se conseguiria manter de pé.
Contudo, por esta altura, tudo aquilo nada mais era que um tenebroso acidente.
Subitamente, o tapete por baixo do nosso racional foi violentamente puxado pelo embate do segundo avião na segunda torre, a meio, quase tão preciso como um exercício de geometria.
O silêncio instalou-se na sala e também no televisor. O pivô fora tão apanhado de surpresa como nós.
De repente, tudo ficou claro na minha mente: não havia aviões descontrolados, não havia acidentes, nem sequer um trágico acaso.
Seguiram-se o Pentágono e a Pensilvânia e já todos nos deitávamos a adivinhar qual seria o próximo alvo. E como poderia uma nação tão poderosa como os Estados Unidos ser tão facilmente atacada em tão diferentes frentes.
Um estado de inacção avançou sobre todos nós, uns por medo, outros por surpresa, outros pelas duas coisas e prolongou-se pelos dias seguintes, alimentado pelas imagens que invadiram a imprensa, as televisões e a internet, pelos constantes directos e edições extra aos quais, por mais que desejássemos, não éramos capazes de fugir. Todos nós sentíamos a necessidade quase inexplicável de saber mais, como se conhecêssemos aquelas pessoas. Ou como se a tão desejada explicação que não existe para tal acto fosse surgir em rodapé no ecrã do televisor.
A confusão dos dias seguintes originou situações que, se até ali me irritavam, passaram a meter-me nojo e, nalguns casos, até a levar-me ao ódio no sentido mais literal. E sem quaisquer pesos na consciência ou sombra de remorso por tal, posso assegurar-vos.
A primeira tem a ver com aquelas criaturas que, aparentando ser humanas, nada mais são que aglomerados de células e que consideraram um perfeito exagero as manifestações de sofrimento dos familiares das vítimas dos ataques do 11 de Setembro (e não serão elas próprias igualmente vítimas?).
Como aquele boçal psicopata que, assistindo a um episódio de uma irmã de uma das vítimas que caíra num estado catatónico, me brindou com uma pérola de sabedoria médica, garantindo que a mulher estava apenas a fingir porque a catatonia não é reconhecida pela medicina. Com a veemência de um fundamentalista, assegurou que um ser humano que se preze “atira com o sofrimento para trás das costas” – ou seja, fica com ele no peito o que, no sentido figurado, faz sentido – e não faz “aquele espectáculo”, a não ser para “chamar as atenções sobre si”.
Sempre associados a personalidades psicóticas como esta vêm os grandes sabedores da vida e detentores de todo o conhecimento, como se uns não pudessem viver sem os outros – sorte mesmo era, pelo menos para nós, a maioria, que não vivessem de todo… – e que se apressaram a condenar a actuação da polícia e dos bombeiros nova-iorquinos. Segundo estas cabeças que se auto-denominam de iluminadas, as autoridades actuaram da forma contrária ao que deveria ter sido feito. Naturalmente, quando questionados sobre qual seria o modus operandi mais correcto numa situação até então inédita, nenhum soube responder.
Depois, a estupidez, ou total ausência de QI associada a evidentes e profundas dificuldades de aprendizagem daqueles que se dedicaram a criar teorias da conspiração a propósito de tudo o que rodeou o 11 de Setembro. Até ali achava alguma graça a estes pobres coitados que acreditam ser tão importantes que um governo se incomodaria com eles e que não entendem – devido ao reduzido número de neurónios funcionais – que a Administração nem sequer toma conhecimento da sua existência.
No entanto, na época, a profusão de disparates foi de tal forma avassaladora – desconhecia a existência de tão grande número de gente asinina e desocupada no planeta (o próximo Censos deverá incluir uma perguntar sobre isto) – que a graça passou a desgraça e actualmente apetece-me apenas regurgitar sobre essas “pessoas”. Em particular, quando se julgam no direito, e na posse das capacidades necessárias, para me fazerem uma lavagem cerebral ao ponto de descer ao nível rastejante deles.
De repente, como se nada fosse, pestanejamos por uns momentos e passaram-se dez anos. Várias guerras, inúmeros atentados e nenhuma explicação que eu – bem como tantos de vocês que estão aí desse lado – possa aceitar como plausível.
E vocês, onde estavam no 11 de Setembro de 2001?